A amplificação do pensamento fundador
Por Cláudio Mendonça em 30/10/2010
Acima, Jacques Derrida.
Jacques Derrida é o pensador da hipérbole, da ressignificação, do fazer pensar o novo a partir do que esta posto. Amigo de Lévinas e autor de um dos textos mais bonitos da filosofia contemporânea, quando no momento de despedida de ambos, o Filósofo nascido na Argélia em 1930, sofreu diversas perseguições desde a expulsão da escola pela redução das quotas dos judeus até a dificuldade de reconhecimento de seu trabalho como filósofo indo além da lingüística. Muito além…
Decidi por estabelecer o elo de ligação entre os dois pensadores através do ensaio sobre o pensamento de Emmanuel Lévinas, intitulado Violência e Metafísica.
Ele dá início à obra reafirmando, em seu estilo socrático, a pergunta como elemento desconstrutor, a indagação que não traz dentro de si a resposta, que não a exige e que não pratica a violenta afirmação da verdade que oprime e exclui.
Diferença entre a filosofia como poder ou aventura da própria pergunta e a filosofia como acontecimento ou guinada determinados da aventura (Jacques Derrida 2009:113).
Na reafirmação da origem grega do pensamento, o texto traz a leitura de Hegel e Heidegger como o resgate da razão em sua arqueologia. Um aspecto relevante do que chamamos de Romantismo Alemão, entendendo o episódio não apenas pela produção literária, mas pela elaboração de um viés do pensamento que trouxe uma releitura e resgate da cosmovisão da lógica grega e teve as inequívocas manifestações na poesia, como promoveu uma indefectível ruptura fundadora no pensamento filosófico.
Em Uma História da Razão onde François Châtelet entrevista Émile Noêl há um trecho belíssimo que tenta traduzir a instituição do pensamento como o vemos hoje:
Nas tragédias de Eurípedes, só restaria aos homens uivar de desespero porque os deuses se foram. O projeto platônico quer tornar o homem satisfeito, apesar da partida dos deuses. É como se Platão dissesse: se os deuses foram embora, isso não nos deve levar à capitulação. Os homens têm em si a reserva do seu espírito, do seu esforço de inteligibilidade, que lhes deve permitir superar a infelicidade doravante imanente ao mundo.
E, nessa perspectiva, Platão propõe uma escola, a Academia. Partindo da hipótese das idéias, propõe uma nova descida ao mundo do sensível. Os que viram a Idéias têm doravante a obrigação de ajudar os seus semelhantes, que não tiveram o privilégio, a lutar tanto quanto impossível contra o domínio da infelicidade – ficando claro que essa luta nunca termina que sempre será preciso combater pelo triunfo da inteligibilidade. (François Chatelet 1994:40).
E é em Platão que, segundo Derrida, poderíamos encontrar uma das raízes da ética proposta em Lévinas. Platão exacerba a questão da luz, do bem, da relação com o mundo que vai além das essências. De fato, a epekeina tes ousias (έπέκενα τής ούσίας) traz o que Levinás chamaria – vinte e cinco séculos depois – de ex-cedência, da ultrapassagem das coisas enquanto tal, a superação da ontologia categorizadora e descritiva. O mestre grego em a República em 509 A.E.C. afirmava a ética como princípio e valor:
– Portanto, para os objetos do conhecimento, dirás que não só a possibilidade de serem conhecidos lhes é proporcionada pelo bem, como também é por ele que o Ser e a essência lhes são adicionados, apesar de o bem não ser uma essência, mas estar acima e para além da essência, pela sua dignidade e poder. (Platão 2009:207).
Depois do sol o “para além das essências” sempre iluminará para Lévinas o despertar puro e a fonte inesgotável do pensamento (Jacques Derrida 2009:121).
Derrida discorre sobre a ética fundadora de Lévinas e suas inequívocas raízes na religião. Mas o lituano não se vale desta como um conceito dogmático, mas como doutrina, ensinamento, conhecimento metafísico e de vivência, neste caso, com base em intuições históricas. A escatologia messiânica é a experiência na matriz da historicidade. E sendo a experiência a abertura do ser do ente, então a assunção do outro como elemento constituidor e doador de sentido é absolutamente necessária e traz consigo um necessariamente intrincada teia relacional. Podemos declinar do debate enfático sobre a fonte do pensamento ético-ontológico-relacional, se mais grega ou de origem no Reino de Judá, o que parece relevante é o fundamento da alteridade e suas conseqüências na gramática da existência. Ser-em-processo-no-mundo implica necessariamente ao vivente que imite o tabuleiro de xadrez onde, a partir do primeiro movimento de abertura de cada um dos seres, toda a relação de encadeamento se estabelece e conecta todas as peças entre si de forma permanente e inexorável, a conclusão total do jogo pela exaustão motriz da última peça.
Parece fundamental termos em mente que a relação com o outro tende a exprimir uma violência. Mais do que tender, essa relação de apreensão e moldagem do próximo à nossa verdade, análise, julgamento e talvez a palavra mais adequada seja: à nossa expectativa. Expectativa de quem esta posto na linguagem em busca de uma verdade que necessariamente exclui. A verdade verdadeira e desesquecida, a Alethéia sem Léthe traz dentro de si o nódulo da exclusão. A característica da obra de Jaques Derrida de valorizar a pergunta e o encadeamento indagatório infinito da busca do conhecimento não encerrado em compotas, mas baseado em sucessivas e renovadas convicções postas à prova e ruindo em deslocamentos e inversões, traz um ingrediente essencial ao necessário iluminar do rosto alheio, deitando-se ao chão todos os dísticos do poder e mergulhando na relação infinita e assimétrica, e infinita por que assimétrica, do ser com o outro. De maneira absolutamente didática temos:
1. Uma ontologia do Outro, que fundamenta uma ética relacional baseada na simetria entre os dois pólos relacionais; 2. Uma ética do infinito, na qual a terceira parte da relação inaugura com sua assimetria uma filosofia da responsabilidade; e 3.um pensamento totalmente outro, no qual a alteridade dissemina-se para além do ôntico e do ontológico, do existente e do existencial e que esta sempre inserido em uma trama de diferenças. (Rafael Haddock-Lobo 2008:132)
Na filosofia da relação percebemos, de forma repetitiva, a relação com o rosto. Rosto como pouso da manifestação de tributo inexorável ao existente alheio. Derrida escandi-o em olhos e ouvidos dando peso a estes sentidos na medida em que o aparelho visual é a parte menos domesticada em sua conexão com a alma. O olho olha sem respeitar a ordem, o esperado ou o possível. Visão e luz se necessitam, unem forças para permitir o fenômeno, mas ao mesmo tempo revelam o desejo, a intenção real e irremediável, o manifesto. Da mesma forma são os ouvidos, ainda mais indomados na medida em que não lhes é permitido não exercer sua função pela livre vontade do ser. Ouve-se a palavra, o que não existe, a realidade acústica, nem sempre dizível, traduzível, vivenciada pela intensidade inefável dos sons. O rosto traz a expressão do infinito em cada parte e no todo de si.
O texto de Paulo Cesar Duque-Estrada sobre a questão do perdão em Derrida favorece a análise da questão da alteridade sobre o enfoque mais apropriativo do filósofo argelino. O outro e a necessária afirmação da diferença emergem da própria abertura estrutural ao exterior que impede um retorno no sentido de um fechamento ensimesmado. A heterogeneidade relacional fundadora possui origem distinta e se estabelece com base no que se chama de ex-apropriação. Este movimento se refere ao fato de a linguagem e a própria cultura ser universal e particular ao mesmo tempo, e ainda inapropriável. A ex-apropriação é, portanto a matriz formadora, quântica e infinita da afirmatividade. E é a linguagem e sua estrutura de rastro, que já existe em origem incognoscível, promove a inexorável relação de dissimetria relacioal entre um e outro. A diferença vem do logos nominativo pertencente ao ethos humano que cria uma linguagem universal e particular simultaneamente fundada em si própria, alicerçada em tênue rastro espiral contínuo. Diferença que ocorre no nome que me é dado pelo pai antes de eu nascer, que tento me apoderar e percebo que existem outros detentores do mesmo nome e então o movimento caminha para a produção de uma assinatura que tenta tornar único e próprio o que pertence a todos e a ninguém. A dissimetria esta na linguagem e é esta que estabelece a relação com a alteridade.
Esta dissimetria – resumidamente, entre alteridade do outro e a identidade do mesmo – não é, em absoluto, um acidente encontrável na linguagem, ela é o próprio acidente, se assim podemos dizer, que é estrutural à linguagem; ela diz respeito ao perjúrio e à tradição originais aos quais a linguagem sempre se volta e revolta, nisto consistindo o seu próprio movimento afirmador. (Paulo Cesar Duque-Estrada 2008: 25).
*Cláudio Mendonça foi chefe de Gabinete Parlamentar na Assembléia Nacional Constituinte (1988); Secretário Municipal de Fazenda e Administração (Resende, 1989-92); Secretário de Estado e Presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1994); Coordenador das áreas de Fazenda e Administração do Estado do Rio de Janeiro (1999-2002); Consultor do Banco Mundial (2002); Presidente do Instituto Brasileiro de Educação e Políticas Públicas – IBEPP (2002), Presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro – FAETEC (2003); Secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro (2004-2006); Membro do Conselho de Análise Econômicas e Sociais do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ – 2008); Presidente da Fundação Escola de Serviço Público FESP-RJ (2007/2009); Presidente Interino da Fundação Centro de Informação e Dados do Rio de Janeiro – CIDE (2008/2009); Em outubro de 2008 foi designado Conselheiro Titular do Conselho Estratégico de Informações da Cidade, do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos – IPP; Em abril de 2009 passou a presidir a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro – CEPERJ. Em 01 de maio de 2009 foi nomeado como membro do Conselho Consultivo Municipal da Prefeitura de Niterói. Atualmente é Subsecretário de Estado da Subsecretaria de Capacitação de Pessoal da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Autor dos Livros: “Solidariedade do Conhecimento” e “Você Pode Fazer a Reforma Educacional”.
Fonte: Debates Culturais
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