Quinta Maio 02 , 2024
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A Técnica e a Arte

Por Cláudio Mendonça em 18/04/2010

REFLEXÕES ACERCA DO ENSAIO: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” de Walter Benjamin (1892-1940) considerando o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação de linguagem em especial a fotografia, o cinema, o computador e o advento da rede mundial de computadores, a internet.

Palavras-chave: Walter Benjamin; reprodutibilidade técnica; arte; internet.

Abstract: This article intends to analyze the essay “The work of art in the era of its technical reproducibility” of Walter Benjamin (1892-1940) considering the new information and communication technologies with special attention to the photography, the movie, computers and the World Wide Web, the internet.

Key-words: Walter Benjamin; technical reproducibility; art; internet.

Acima, foto de Walter Benjamin.

A Técnica e a Arte

As citações, no meu trabalho, são como ladrões à beira da estrada, que irrompem armados e arrebatam o consciente do ocioso viajante. – Walter Benjamin – Rua de Mão Única

Walter Benjamin procura determinar ao início de seu ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” o que significa efetivamente a reprodutibilidade da obra de arte e ainda, a sua reprodutibilidade técnica, demonstrando que esta última é um fenômeno mais recente da história da humanidade. Afinal, o homem sempre foi capaz de reproduzir a ação humana de outro homem e esta atividade foi – desde os primórdios de nossa sociedade – organizada através da transmissão do conhecimento por mestres a seus aprendizes e discípulos. A técnica de reprodução, todavia é fenômeno mais recente na medida em que exigiu algum desenvolvimento tecnológico para a constituição de ferramentas ou equipamentos voltados para tanto com evidente objetivo de fazê-la atingir a um número maior de pessoas ou consumidores das mesmas. A xilogravura, substituída mais tarde pela litografia, bem como com o advento da imprensa que propiciou a difusão de imagens e palavras atingiu níveis sempre crescentes de massificação. Essa popularização trouxe como conseqüência a coexistência da obra de arte com suas inúmeras cópias. O debate remete inevitavelmente à questão da mimeses de Platão onde teríamos a cópia – representação artística – da cópia – a idéia ou ser original – e neste caso a arte que imita a natureza ou os objetos não seria nada além de um indesejável simulacro. Aqui tratamos da reprodutibilidade do que é idealizado para ser cópia, como sobre outras manifestações que, de certa forma podem ser entendidas como uma reprodução, e.g. a pintura ultrarealista e a fotografia clássica. Benjamin acentua a questão da autenticidade da obra de arte e introduz a noção de aura que em muito se reduz com a reprodutibilidade. O testemunho histórico, sua existência física e, inclusive a localização original da obra, impactam na produção desta aura. Basta conhecer as manifestações artísticas da cultura Egípcia no Egito – ainda que o país esteja totalmente estabelecido nos padrões do mundo árabe – e comparar com o que vemos no primeiro piso do Louvre, por exemplo, para percebermos esta sensação.

Na reprodutibilidade de hoje consideramos também que comumente chamamos de perda de qualidade da imagem o que é aferível pelo “peso” ou “tamanho” da imagem e outros aspectos da tecnologia moderna que pretende oferecer ao olho humano um maior grau de definição, uma maior fidelidade de cores e nitidez de contraste entre as diversas linhas e formas. O cinema, desde aquela época, já se estabelecia como arte voltada para o grande público e estava, inclusive sendo utilizado no contexto político, como ferramenta de propaganda dos regimes autoritários. O cinema traz a reprodutibilidade em sua própria natureza.

E tanto este, como a fotografia e os toca-discos ou rádios, já permitiam, desde 1936 – quando o ensaio foi escrito – o acesso de uma parcela imensa da população aos bens culturais, antes privilégio de um minúsculo contingente de pessoas que pertenciam à elite econômica, política ou religiosa. É importante a observação do filósofo alemão que se refere a duas possibilidades: A reprodução da obra de arte edificada para ser única e por ação posterior copiada, como a multiplicação de mesma quando construídas para tal intento, ou em outras palavras a matriz para reprodução em massa. São os diferentes casos da estátua de Davi, de Michelangelo Bounarrotti, reproduzida uma única vez para ser colocada em frente ao Palazzo Vechio em Florença e hoje em dia copiada e fotografada aos milhões de exemplares e as obras feitas para reprodução em xilogravura de Rafael e Tiziano. Nos dias de hoje o fenômeno efetivamente ganhou proporções infinitas. A quantidade de informação que bombardeia a mente humana a cada lugar e a cada segundo não raras vezes traz anjos de Rafael Sanzio, a Monalisa de Leonardo Da Vinci, o Nascimento de Vênus ou a Primavera de Sandro Botticelli, a Estátua de Vênus, o Parthenon, o Coliseu. Enfim, são centenas de obras de arte originárias que são utilizadas para informes publicitários ou mesmo a transmissão de idéias de natureza a mais diversa, isso sem contar o material produzido originalmente para grandes contingentes da população. Na educação dos jovens, os livros didáticos de história da arte trazem um verdadeiro acervo em cada exemplar e a internet permite passeios virtuais em museus ou mesmo a captura de imagens e sons, para o arquivo pessoal de qualquer curioso ou aficionado. É possível possuir uma “galeria de arte” no cartão de memória do celular.

Com a reprodutibilidade técnica a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária destacando-se do ritual. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida. (W.Benjamin 2008:171).

O mestre apresenta um emocionante raciocínio quando demonstra que, se a exposição da obra a banaliza esmagando seu caráter de culto é na fotografia do rosto onde ele ainda resiste.

O refúgio derradeiro do valor de culto foi o culto da saudade, consagrada aos amores ausentes ou defuntos. A aura acena pela última vez na expressão fugaz de um rosto, nas antigas fotos. È o que lhes dá sua beleza melancólica e incomparável (W.Benjamin 2008:171).

Aqui ele fala de todos os homens, mas, sabemos, também fala de sua própria história de vida… Todavia, até esta aura parece ter esvanecido com a fotografia digital e seu uso obsessivo em milhões de sites de relacionamento que parecem servir a uma compulsão narcísica de expressar identidades inautênticas nas redes da internet. Vemos freqüentemente uma enxurrada de fotos de momentos de alegria cuidadosamente “pousada”, onde pessoas que pouco se conhecem fingem amizade, e se cercam de fragmentos de literatura que sequer foram lidos de maneira mais reflexiva. Trata-se a meu ver de uma ferramenta de busca de identidade, reconhecimento e até por que não dizer, notoriedade no microcosmo da escala social. É o fenômeno da micronotoriedade antes conquistada pelo esforço na criação das pequenas mídias locais como jornais de bairro e escola, saraus, apresentações teatrais amadoras. O texto parece antecipar em muito o fato de termos hoje no planeta um número extraordinariamente maior de escritores em relação ao século XIX em proporção ao número de leitores. Ele aponta como acontecendo ao final daquele século este crescimento em razão do desenvolvimento da imprensa, mas é com a internet que se favoreceu a criação de sites pessoais, blogs, newsletters e twitters que geraram um aumento exponencial da situação que Benjamin já vislumbrava no segundo quartel do século XX. O mesmo ocorre com o fenômeno da autorepresentação crescente no youtube.

Num processo de trabalho cada vez mais especializado, cada indivíduo se torna bem ou mal um perito em algum setor, mesmo que seja num pequeno comércio, e como tal pode ter acesso na condição de autor. (W.Benjamin 2008:184).

Mas é na questão do cinema como real produção artística que Benjamin propõe uma crítica mais contundente – em que pese sua indagação outrora comum se a fotografia seria uma manifestação artística – ao compará-la com a pintura, o teatro e o cinema. Ele se prende ao fato de que como o cinema permite a edição de imagens e por força disto uma sucessão infinita de encenações até o perfeito ato ser validado, teríamos uma artificialização da dramatização ou mesmo das imagens urbanas ou da natureza. O tema é absolutamente atual quando constatamos o nível de desenvolvimento dos efeitos especiais que criam personagens ou atores virtuais, além de cenários elaborados pela introdução da metodologia dos fractais que passam a ter um nível de perfeição que chega à identidade do mundo. A crítica ainda hoje faz sentido em alguns casos quer extremos em tecnologia quer na profusão de jovens atores que ascendem à profissão por razão de estética facial ou parentesco influente, em especial na televisão, e que acabam por gravar, na prática valendo-se da metodologia de tentativa e erro. É da mesma forma o político que se apresenta para o povo lendo um texto em teleprompter com idéias retiradas da pesquisa eleitoral e sistematizadas à sua revelia pela equipe de especialistas. O sentido dessa transformação é o mesmo no ator de cinema e no político qualquer que seja a diferença entre suas tarefas especializadas. Seu objetivo é tornar apresentável, sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam melhor “absorvêlas” de forma palatável.

É esta a especificidade do cinema: ele torna mostrável a execução do teste, na medida em que transforma num teste essa “mostrabilidade” (W.Benjamin 2008:179).

O cinema, como obra de arte, não precisa da minha defesa. Acho, no entanto, que cabe o registro de que foi Marlon Brando (1924-2004) que se caracterizou primeiro no teatro e depois no cinema como o ator imprevisível, navegando com imensa capacidade no improviso para caracterizar os personagens e dar imenso vigor às cenas inaugurando um estilo que marcou época.

O filósofo alemão enxerga claramente o forte cunho ideológico que permeia o cinema por um lado, e ao mesmo tempo admite a capacidade libertadora das massas quando analisado sob o prisma do puro entretenimento. Não resta dúvida que a indústria do cinema norteamericano investe em franca articulação governamental na difusão de suas versões de fatos históricos, glamorização de personagens e do estilo de vida que caracteriza aquela nação, além de dar forte conotação pictórica a seus valores sociais na perspectiva de universalizá-los.

Conclusão

O escritor demonstra neste texto não apenas uma extraordinária capacidade visionária, mas declina em mais de uma oportunidade o caráter político, histórico e ético que caracteriza toda a sua obra. O escovar a história a contrapelo. Não se trata de recepcionarmos os fatos e narrativas, mas o aspecto reflexivo onde ela se apresenta como tarefa. O ensaio em tela traz muito da característica marcante em sua obra de analisar o momento histórico, o instante e não o fluxo como tão ordinariamente fazem os historiadores marxistas. E ele o faz na perspectiva da redenção, da abertura das possibilidades de um novo caminhar onde os dominados e vítimas da violência possam obter uma nova escrita ou mesmo escritura. O marxismo teológico e metafísico de Walter Benjamin rememora os mortos, os banidos, os desgraçados, os torturados e os famélicos que merecem a nossa memória pelo sofrimento vivido e que precisa ser revivido, na perspectiva da justiça capaz de promover a salvação. É esse o teor de verdade que ele demonstra em um raciocínio singular e de enorme força quando fala da linguagem de forma paradoxal e metafísica e da mesma forma no que se refere à arte (que é também tratada como linguagem), onde apresenta uma ruptura com a tradição estabelecendo a noção da obra aberta que necessita de continuidade através da história. É a estética do sublime que supera a temporalidade humana e se difere propositalmente do discurso classicista onde a mesma se apresenta como símbolo, como se a obra de arte tivesse uma essência decorrente da possibilidade de a mesma ser uma manifestação sensível de um inteligível pleno, a idéia da bela aparência simbolizando uma verdade que se encontraria fora da mesma. A obra para ele é uma fogueira em chamas sensível e inteligível onde o que realmente é importante é a capacidade de levar o apreciador não à totalidade harmônica, mas a faculdade de a mesma fazer sentido mesmo muito depois e distante de nós. O que vale é a possibilidade de suscitar a experiência sensível do tempo, o estranhamento, o enigmático da vida humana contrastando com nossas convicções. É a autêntica e inquietante crítica de arte que promove a manutenção dessa fogueira que pode provocar a vertigem da perda de nossas convicções diante da própria existência. A obra é o lugar da experiência existencial que nos remete ao nosso limite claramente fixado no tempo.

Ele tenta promover ao longo de sua obra uma articulação entre linguagem, arte e historicismo dialético-marxista convidando a pensar na perspectiva de promoção da ruptura com a aparentemente eterna sucessão de vitórias dos vencedores da história em conexão espiritual com os vencidos e mortos.

*Cláudio Mendonça foi chefe de Gabinete Parlamentar na Assembléia Nacional Constituinte (1988); Secretário Municipal de Fazenda e Administração (Resende, 1989-92); Secretário de Estado e Presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (1994); Coordenador das áreas de Fazenda e Administração do Estado do Rio de Janeiro (1999-2002); Consultor do Banco Mundial (2002); Presidente do Instituto Brasileiro de Educação e Políticas Públicas – IBEPP (2002), Presidente da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro – FAETEC (2003); Secretário de Estado de Educação do Rio de Janeiro (2004-2006); Membro do Conselho de Análise Econômicas e Sociais do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ – 2008); Presidente da Fundação Escola de Serviço Público FESP-RJ (2007/2009); Presidente Interino da Fundação Centro de Informação e Dados do Rio de Janeiro – CIDE (2008/2009); Em outubro de 2008 foi designado Conselheiro Titular do Conselho Estratégico de Informações da Cidade, do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos – IPP; Em abril de 2009 passou a presidir a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro – CEPERJ. Em 01 de maio de 2009 foi nomeado como membro do Conselho Consultivo Municipal da Prefeitura de Niterói. Atualmente é Subsecretário de Estado da Subsecretaria de Capacitação de Pessoal da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). Autor dos Livros: “Solidariedade do Conhecimento” e “Você Pode Fazer a Reforma Educacional”.

Fonte: Debates Culturais



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