"Não basta ter acesso a tecnologia"
Consultor americano afirma que a tecnologia em sala de aula só vai ajudar na educação se as escolas e os professores mudarem o jeito de ensinar.
O consultor Mark Weston, estrategista educacional da Dell, dedicou os últimos 36 anos de sua vida a melhorar o ensino usando as inovações tecnológicas. Depois de participar de projetos promovidos pelo governo dos Estados Unidos, de vários estados americanos e em outros países, chegou a algumas conclusões sobre como a tecnologia pode ser usada na sala de aula para melhorar o aprendizado dos alunos. Nesta entrevista, Weston revela o potencial pedagógico da tecnologia e alerta para as suas limitações: “Se um livro não funciona para um aluno, trocá-lo por um livro digital não vai resolver o problema”.
ÉPOCA – O senhor pretende lançar um livro intitulado “Por que a tecnologia foi reprovada na educação”. Qual a principal ideia?
Mark Weston – Allan Bain (co-autor do livro) e eu temos mais de 15 anos em reforma na educação americana e concluímos que mais do mesmo esforço não daria resultado. Em geral, o sistema educacional atual funciona, na melhor das hipóteses, para duas em cada três crianças, ou seja, duas em cada três concluem os estudos. O que acontece é que metade das crianças que consegue se graduar diz que o sistema foi falho. E isso está acontecendo depois de quase três décadas de esforços para reformar e melhorar a educação. Uma parte desse esforço tem sido a entrada de tecnologia nas escolas. Então, se você pensar na tecnologia como uma estratégia de reforma, você assume que, em algum momento, ela deveria trazer resultados. E a evidência é bastante clara de que a maioria dos esforços de reforma, incluindo o uso de tecnologia, não mudou a estatística principal de que o sistema falha com duas de cada três crianças.
ÉPOCA – Mas temos alguma certeza sobre como é possível usar a tecnologia para melhorar a educação?
Weston – Se o objetivo é como educar melhor todas as crianças, e a pergunta é se isso é possível, a resposta é sim. Isso pode ser feito e a resposta está nos trabalhos de Benjamin Bloom. E há também evidências de práticas pedagógicas que conduzem todas as crianças a aprender mais. Um dos livros mais recentes sobre isso, Visible Learning, foi escrito por John Hattie. Ele analisou 800 estudos para avaliar todas as práticas, ver o quanto eram praticadas e analisar seus efeitos estatísticos no ensino e no aprendizado. Olhando para as dez melhores práticas, encontramos algumas sem nenhuma escala e percebemos que a maior parte do nosso esforço para melhorar a educação passa por investir, sem base em informação, em práticas pouco estudadas. Sabemos o que tem que ser feito? Eu diria que há uma pesquisa ampla sobre o que precisamos fazer e a questão é como fazer. Uma das dificuldades tem a ver com a forma como concebemos o papel da tecnologia na educação. Nós ainda tendemos a conceber o papel da tecnologia como algo a que as pessoas têm que ter acesso. Você dá um computador para o aluno, ele tem acesso e isso muda as coisas. No início, essa era a ideia. Mas agora está bem claro que é preciso mais do que dar acesso às tecnologias. Não é o acesso às tecnologias que assegura os resultados, mas as práticas de que as tecnologias fazem parte. Mas, hoje, há uma distância muito grande entre a tecnologia e a pedagogia nas pesquisas.
ÉPOCA – Algumas escolas substituíram as canetas por canetas digitais, os cadernos por notebook ou tablets e a lousa por quadros interativos. O senhor acha que, hoje em dia, as tecnologias estão apenas substituindo antigas práticas da educação em vez de ajudar a reformá-las?
Weston – Se um livro não funciona para um aluno, se ele não aprende, trocá-lo por um livro digital não vai resolver o problema. É o mesmo que ter o mesmo tipo de aula com o professor e, em vez de ter o quadro negro, ter a lousa interativa. O que está acontecendo é que há um nível de automatização ou refinamento, mas o problema fundamental do aprendizado, da cognição, não é atacado. Para que a questão da cognição seja resolvida, a tecnologia tem que ocupar um papel diferente. Parte da revolução é que um paradigma alternativo precisa surgir. E nesse paradigma alternativo a tecnologia serve de mediador para estilos de aprendizado, estudantes, professores, pais, conteúdo. Minha experiência estudando as mudanças de sistema, particularmente as reformas educacionais em longo prazo, é que as mudanças nunca acontecem de forma gradual. Geralmente acontece em socos e rupturas. Acredito que há um ponto de crescente evidência de descontentamento de pessoas que tentaram todo tipo de refinamento – refinar lousas, refinar cadernos, refinar a organização da classe – e você percebe que consertar não é suficiente. É preciso algo mais profundo. Mudanças profundas requerem estrutura e teorias igualmente profundas. Para os alunos pode não parecer diferente. Mas o que acontece com eles é extremamente diferente.
ÉPOCA – O senhor poderia dar um exemplo?
Weston – No sistema atual, o aluno é geralmente visto como um participante passivo, que recebe a informação. Então, mesmo numa classe com uma lousa interativa, eu não me surpreenderia de ver o professor no quadro. Se o papel do estudante tivesse mudado, se ele fosse um parceiro participativo no aprendizado, eu esperaria, em algum ponto, ver os alunos no quadro, ver alunos fazendo coisas com outros alunos ou com o professor. Nas duas situações, o equipamento não mudou. O que mudou foi a pedagogia usada e como alunos viam seus papéis. Se quisermos melhorar a qualidade do ensino, temos que olhar para o papel do professor e do aluno. Atualmente, a tecnologia tem um papel de automatizar processos. Numa nova visão, a tecnologia teria um papel de intermediar. Algumas das tarefas do professor poderia acontecer via tecnologia, alguns dos papéis dos alunos poderiam acontecer via tecnologia, o espaço extra para os estudantes poderia ajudá-los a fazer mais coisas e melhor.
ÉPOCA – Como é possível preparar os professores para essa mudança?
Weston – Um novo paradigma requer um novo programa preparatório. Defendo que o programa deve ser um reflexo do programa para o qual está preparando os profissionais. O que vemos hoje é que a preparação e as práticas de aula são muito distantes. E o que acontece é que a preparação não tem nenhuma ligação com o que se passa na sala de aula, com as crianças. Com as tecnologias que temos hoje, a teoria e a prática poderiam ser facilmente conectadas, é só pensar que podemos usar o Skype para estar ao vivo em qualquer lugar, por exemplo. Como os professores estão se aproveitando dessa tecnologia?
ÉPOCA – Alguns professores pensam que devem produzir seu próprio conteúdo digital para preparar as aulas. Isso é possível e desejável? Todo professor deve ser um produtor multimídia?
Weston – No sistema atual, a primazia é muito do professor. Cada professor é responsável por todo o currículo, por desenvolver como dar cada conteúdo. Se a demanda está no professor, cada professor pensa individualmente num esquema de fazer o seu trabalho. Se esse sistema de esquematização individual atendesse a todos os estudantes tudo estaria bem. Mas há claras evidências que não. O que tem que acontecer é o professor se tornar mais capaz de esquematizar e de planejar. Acho que é uma tarefa impossível. Uma alternativa é criar situações para que os professores tenham muita independência, mas também muita interdependência. Eles passam, então, a desenvolver um esquema coletivo que funciona para a escola toda, em que cada professor ajuda a refinar os métodos do outro e se beneficia. Parte do problema da preparação de professores e do sistema está ligado a pensar as demandas que recaem sobre os professores e diminuí-las. Essa carga pode ser dividida ou repassada para a tecnologia. Se o problema é a carga cognitiva, a solução passa a ser uma ferramenta cognitiva. Com essas ferramentas eles poderão fazer mais fazendo menos.
ÉPOCA – Os estudos feitos até agora sobre o impacto da tecnologia na educação mostram resultados confusos. Alguns apontam que o uso da tecnologia melhora o desempenho dos alunos. Outros, que ele não altera. E outros ainda, que ele piora os resultados. Como entender essa discrepância nas conclusões?
Weston – A sua pergunta tenta estabelecer a relação entre uso de tecnologia e desempenho dos alunos. Mas quase todos os estudos que tentaram estabelecer essa ligação falharam. A tecnologia poderia ser substituída por qualquer coisa e, ainda assim, os estudos fracassariam. Uma pergunta melhor é: quais as práticas pedagógicas que estão levando a resultados melhores? E como as tecnologias estão apoiando essas práticas? Analisar a tecnologia sem olhar para as práticas é um método falho de pesquisa. Essa é a razão pela qual a Dell ficou de fora dos estudos em grande parte. Agora, sou responsável de criar uma nova metodologia de estudo que possa ser aplicada aos nossos projetos e também a outras realidades. Com mais dados produzidos sob a mesma metodologia, poderemos comparar melhor os resultados. Acho que isso é um reflexo da mudança da natureza da pesquisa e da infância da tecnologia. Vamos sair da fase de pesquisas patrocinadas, que são boas para coletar dados, mas não passam pela revisão de pares.
ÉPOCA – Que conselhos o senhor daria para o governo brasileiro melhorar a qualidade da educação no país?
Weston – Eu focaria em três ações: 1) diminuir a carga cognitiva dos professores; 2) redefinir o papel da tecnologia na educação e 3) adotar práticas pedagógicas com eficácia comprovada em pesquisas.
Fonte: Revista Época