Em resumo, porque, nas circunstâncias atuais, reformar a educação brasileira para que seja um sistema de alta qualidade não apenas não dá voto como é eleitoralmente custoso. Isso é assim porque os prejudicados por um movimento de reforma são as corporações de funcionários da área, que obviamente preferem a manutenção de um sistema de baixa qualidade, grande autonomia e baixa cobrança por resultados a outro em que haveria maior controle social sobre a educação, mais cobrança e pressão por aprendizado.
E essas corporações são muito grandes – há mais de 5 milhões de funcionários nas escolas de Educação Básica do Brasil, segundo o Inep –, articuladas, agressivas e politicamente ativas. Os beneficiados pela reforma – os pais e alunos do sistema educacional - apesar de serem mais numerosos, são desorganizados politicamente (não há sindicato dos alunos, e a UNE se transformou em bajuladora do governo), dispersos geograficamente, desarticulados e, em sua maioria, pobres e com pouca voz política. Mas o pior de tudo, e a razão pela qual nem em escala micro há muitos movimentos de demanda por educação de qualidade, é que os pais dos alunos das escolas públicas estão, segundo todas as pesquisas feitas sobre o tema, totalmente satisfeitos com a educação que seu filho recebe. Acreditam que a escola do filho é boa (em escala de 0 a 10, a nota média dada pelos pais fica em torno de 8, enquanto que na escala de 0 a 10 do Ideb a média real das escolas brasileiras está em torno de 4) e que, portanto, se o filho não aprende é porque ele é burro, preguiçoso e/ou desinteressado.
Estou convencido de que enquanto os pais dos nossos alunos estiverem erroneamente satisfeitos com a qualidade da educação e transferindo para seus filhos a cobrança que deveria recair sobre professores, diretores e políticos, não teremos reformas significativas em nossas escolas. O interesse corporativo continuará prevalecendo sobre o bem comum. Precisamos, urgentemente, de maneiras de mostrar aos pais das escolas públicas a verdadeira qualidade da escola do filho, para que ele se torne um aliado do filho e, juntos, cobrem dos dirigentes e funcionários do ensino uma educação de melhor qualidade.
Tenho poucas dúvidas de que, quando isso acontecer, o Brasil terá uma melhora significativa e relativamente rápida (a ser medida em anos, não em gerações) de seus indicadores educacionais. Não estamos, afinal, falhando ao ensinar física quântica: não conseguimos nem fazer coisas que a humanidade já domina há séculos, como alfabetizar todos os alunos aos sete anos de idade. No momento em que as condições políticas estiverem dadas, a parte técnica não é difícil.
A idéia de colocar uma placa com o Ideb de cada escola em sua porta de entrada é justamente de fornecer ao pai, de maneira inescapável, informação sobre a verdadeira qualidade do ensino recebido pelo seu filho. Mesmo o pai mais desinteressado deve passar pelo menos uma vez no ano na frente da escola do filho, e nesse momento ele saberia, de maneira objetiva e gráfica, como anda aquela escola. A equipe de Nizan Guanaes, do Grupo ABC, está desenvolvendo o layout dessas placas, para que sejam de fácil leitura e compreensão para todos. Já vi os primeiros esboços e estou confiante de que a tarefa será cumprida com o talento usual desses profissionais.
Enquanto os pais dos nossos alunos estiverem erroneamente satisfeitos com a qualidade da educação e transferindo para seus filhos a cobrança que deveria recair sobre professores, diretores e políticos, não teremos reformas significativas em nossas escolas
Tenho sinceras dificuldades de entender como alguém pode criticar medida como essa, porque antes de mais nada ela é um simples instrumento de transparência. O Ideb já existe e é medido para todas as escolas públicas do país a cada dois anos. Ninguém discordaria que a qualidade da escola que uma pessoa frequenta é um determinante importante de suas perspectivas de futuro. Me parece lógico, em um estado democrático, que o cidadão tenha o direito de conhecer uma informação que é de crucial importância para sua vida ou de seu filho. É verdade que o Ideb está disponível na internet, mas é capcioso imaginar que um pai que não sabe nem da existência desse índice, muito menos como achá-lo, conseguirá descobrir o Ideb da escola de seu filho.
Pesquisa recente da Fundação Victor Civita mostrou que 47% dos coordenadores pedagógicos das escolas brasileiras não conhecem o Ideb (!). Imagino que o número real seja ainda maior, já que é sabido que as pessoas têm dificuldades em admitir seu desconhecimento, mesmo em pesquisa anônima. Se o quadro é assim para profissionais do ensino, imagine para os pais de alunos de escolas pobres. Se o Ideb da escola do filho for conhecido, hoje, por 5% dos pais desses alunos, eu ficaria positivamente surpreso.
As oposições à divulgação da nota costumam se dividir em dois grandes grupos. Em primeiro, há os que acham que os profissionais e alunos das más escolas seriam “estigmatizados”. Já ouvi até gente dizendo que haveria bullying contra os alunos de escolas ruins, como se houvesse uma gangue rondando todas as escolas de uma cidade, comparando notas e adentrando as escolas ruins para zombar de seus alunos. É surreal. A idéia de que o aluno ficaria estigmatizado parte do pressuposto de que ele é o responsável pela nota baixa da escola. As pessoas que pensam assim introjetaram o discurso da maioria dos professores, que culpa o aluno por um fracasso que é sistêmico.
Ora, achar que um aluno se sentirá culpado por frequentar uma má escola faz tanto sentido quanto imaginar que um paciente se sentiria culpado por estar internado em um mau hospital. Não custa dizer: a escola existe para o aluno. Se a escola não está conseguindo ensinar o aluno que tem, é a escola que está falhando, não o aluno. A escola é que precisa se adaptar ao aluno, que não pode desistir enquanto não encontrar uma maneira de o ensinar. A não ser que você acredite que o aluno brasileiro é geneticamente inferior aos seus colegas de outros países – idéia preconceituosa que eu rejeito totalmente – há que se entender que o problema é do sistema, não de seu usuário.
Quanto aos professores, talvez haja uma fração que realmente se sinta desestimulada. Esses são os professores que desistiram de ensinar, e estão nas escolas cumprindo tabela, esperando a aposentadoria. Creio que são uma minoria, mas basta visitar qualquer escola ou ler qualquer pesquisa sobre a categoria para saber que existem. Pode acontecer duas coisas com esses profissionais. Eles podem voltar a se interessar pelo aprendizado dos alunos uma vez que notem que há um ambiente finalmente preocupado com a educação de qualidade, ou eles podem desistir definitivamente. Espero que o primeiro grupo seja maior do que o segundo, mas seria bom para o País que os profissionais que já desistiram do seu ofício o abandonem formalmente. A maioria dos professores, porém, tem motivação de sobra, e tenho confiança de que seriam estimulados a melhorar por um ambiente que finalmente prezará o aprendizado e por lideranças políticas que finalmente deixarão de usar a educação como moeda de troca política ou, pior, fonte de ganhos financeiros escusos. Talvez tenhamos um período difícil de adaptação no início, assim como tivemos boicotes ao Provão nas nossas universidades nos primeiros anos, mas em seguida a nova realidade é capturada e aceita pela grande maioria.
O sistema de educação é feito para os alunos, não para o benefício de seus funcionários
O segundo grupo dos opositores é composto por aqueles que dizem que o critério mais importante a explicar o desempenho de alunos em zonas pobres é o contexto social em que estão inseridos, e não o desempenho da escola, de forma que colocar a nota na porta seria enganoso, já que sua nota baixa decorreria do que acontece do lado de fora dos muros escolares, e não de dentro. A esses, contraponho dois argumentos. Em primeiro lugar, o posicionamento é falacioso. Sim, é verdade que o contexto dificulta a aprendizagem. Seria mais fácil se nossas crianças morassem na Finlândia. Mas não é impossível ter alta performance escolar em situações de pobreza. Apenas requer mais trabalho e foco nessas necessidades. A China, país mais pobre que Brasil está fazendo isso hoje; a Coréia e outros Tigres Asiáticos começaram a fazer na década de 60, quando tinham renda mais baixa do que a brasileira. A idéia é tão ilógica que basta um simples exercício mental para desmontá-la: como todos os países do mundo conviviam, no início de seus processos de universalização do ensino, com níveis de renda mais baixos que o brasileiro atual, se o contexto social fosse realmente um impeditivo nenhum desses países poderia ter educação melhor do que a brasileira. O que é patentemente falso.
O segundo problema com o argumento desse grupo, que eu chamo de “contextualizadores”, é que ele está mais preocupado com o bem-estar dos professores do que com o aprendizado dos alunos. O objetivo da placa não é de medir o esforço dos professores de uma escola, nem seu mérito, mas sim de fazer com que a sociedade tenha condições de avaliar o que aquela escola está efetivamente ensinando. Se seus professores são motivados e esforçados e mesmo assim não conseguem ensinar quase nada, o aluno sai profundamente prejudicado. E o sistema de educação é feito para os alunos, não para o benefício de seus funcionários. Na ótica desse articulista, entre a possível injustiça cometida contra alguns bons professores que seriam cobrados por estarem em uma escola ruim e a injustiça cometida contra milhões de crianças todos os dias, que vão para a escola buscando um novo horizonte para suas vidas e ao invés disso se veem em uma instituição que só as deixará mais enredada no ciclo secular de ignorância e despreparo que vitima seus familiares, deveríamos nos preocupar muito mais com a segunda.
Fonte: Último Segundo - Educação